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sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

JOÃO AMANHÃ




Ele mesmo declarou que sua maior imperfeição moral era a preguiça. 
Ao final da existência, lamentou-se do péssimo hábito de tudo deixar para amanhã. 
Não levava adiante as providências em andamento, preferia adiar compromissos, sempre se atrasava em tudo e não percebia que seus atrasos prejudicavam terceiros, traziam aflições a quem dele dependia e que o maior lesionado de suas atitudes negligentes era ele mesmo.

Chamava-se João, e o “amanhã” foi acrescentado como apelido. 
Todos conheciam aquele homem que sempre apresentava desculpas, muitas delas bem esfarrapadas, para justificar atrasos ou não cumprimento dos mais elementares deveres, o que trouxe muito sofrimento para seus pais, durante toda a vida.
 Na verdade, porém, os pais foram os maiores responsáveis pelo adulto negligente, pois não o corrigiram na infância, concordando com sua costumeira indolência.

A mãe tentou corrigi-lo na adolescência, entregando-o aos cuidados de um tio muito trabalhador e disciplinado que viajava muito. 
O rapaz o acompanhou, mas alguns meses depois recebeu comunicado da mãe para que voltasse, face à enfermidade que acometera o pai. 
O rapaz deixou para viajar no dia seguinte, como de hábito em tudo que fazia. 
Por força do adiamento, no dia seguinte, o veículo coletivo sofreu avaria causando considerável atraso na viagem. Indiferente com o reparo, resolveu adiar novamente a viagem, para o próximo dia. 
Quando conseguiu chegar, o pai já havia morrido.

Mas não foi só. Um outro tio, solteiro, solicitou sua presença para cuidar de seus negócios – face a impedimento inesperado – e ele novamente viajou. 
Deixou a namorada e prometeu voltar assim que possível. Seis meses depois, em virtude de adiamentos sucessivos, quando tentou voltar, novamente perdeu o veículo coletivo que o traria de volta. 
No dia seguinte, quando viajaria, amanheceu enfermo e impossibilitado de viajar.
 Com isso, até se recuperar foram mais de três meses. 
Numa época em que ainda não havia telefones, ficou de escrever para a mãe e para a namorada, mas sempre deixava para o dia seguinte. 
A mãe e a namorada acharam que ele tinha morrido, em face da ausência de notícias. 
A mãe enfermou e a namorada decidiu ir para o convento.

Quando chegou, um ano depois, a mãe havia morrido. 
A noiva, surpreendida pela volta do namorado, e agora já com votos religiosos, suicidou-se.  
Ele, por sua vez, por negligência contumaz, após a morte da mãe, foi sucessivamente perdendo os próprios bens e os recursos básicos de sobrevivência. 
Transformou-se num mendigo, passou fome e vivia da caridade alheia, sem movimentar-se para nada. Quando solicitava esmolas para comer, diziam-lhe: você não comeu hoje, comerá amanhã. 
Morreu de fome, abandonado. E até seu corpo ficou insepulto naquela noite, pois os coveiros – numa tarde de chuva torrencial – disseram uns para os outros: deixemos para amanhã, como ele sempre fazia...

A vida é dinâmica e pede iniciativa, providências contínuas que nos preservem de enfermidades e nos garantam o sustento e o equilíbrio da própria existência. 
Entregar-se a atitudes irresponsáveis como a preguiça é um grande mal.

Observemos se nossos comportamentos não geram aflição para os outros, se nossos adiamentos e atrasos não prejudicam outras iniciativas e decisões. 
Nossas costumeiras pendências, alimentadas e mantidas, não se enquadram no triste exemplo acima, guardadas as devidas proporções?

Quando nos atrasamos nos compromissos, quando não respondemos a alguém que nos aguarda, quando não damos notícia ou quando mesmo não cumprimos nossos compromissos e deveres, estamos lesando alguém. 
Quando não respeitamos horários e permanecemos indiferentes com a série de obrigações diárias da simples convivência, não estaremos nós lesando a tranquilidade alheia e trazendo prejuízos ao bem geral?

Afinal, quem somos para exigir benefícios pessoais em detrimento da harmonia do conjunto?
 Que privilégio achamos que detemos acima de outras pessoas?

É algo para pensar, não é? Um bom convite a uma autoanálise sobre nós mesmos. 
Uma ótima oportunidade para pensar se não somos os velhos egoístas de sempre. 
Achar-se alguém superior a outrem é bem uma tola pretensão descabida. 
Ninguém é maior ou menor do que ninguém. Somos todos iguais, apesar das diferenças que possamos ter...

* Orson Peter Carrara.

                                                             



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